O que era para ser só mais uma jornada de trabalho no duelo entre Inter e River Plateacabou virando um pesadelo para a repórter Laura Gross, da Rádio Guaíba de Porto Alegre (RS). Durante a transmissão do pré-jogo, enquanto fazia seu trabalho, a jornalista foi abordada por uma dupla de torcedores alcoolizados próximo ao portão de imprensa do Beira-Rio, por volta das 18h20. Um deles tentou beijá-la à força duas vezes.
“Eu estava do lado de fora do estádio entrevistando alguns torcedores. Falei com o último e, na hora de entrar, chegaram dois torcedores visivelmente alcoolizados. O primeiro ficou falando ‘ah, que repórter linda, a gente vai ser entrevista por essa repórter linda?’. Eu disse que já estava entrando e ele respondeu ’não, vem cá que eu quero te dar um beijo’. Ele tentou me puxar, me segurar, e na hora de me dar um beijo eu virei o rosto. Ele babou na minha bochecha, poderia ter sido pior”, relatou Laura ao blog Deixa Ela Jogar.
Para se afastar do assediador, Laura tentou empurrá-lo com o cotovelo, reforçando o óbvio: “não quero beijo, estou trabalhando”. O colega dele se limitava a rir. “Ele disse ‘para que isso, vem aqui, tu é tão linda’, e quando falou isso tentou me pegar de novo. Eu tive força para conseguir empurrá-lo e sair daquela situação. Fui correndo em direção à entrada de imprensa para poder sair de perto dele, a única sensação era que eu queria sair dali”, explicou.
A jornalista conta que subiu para a cabine de transmissão, onde estavam seus colegas da Guaíba, que lhe deram apoio e perguntaram se ela teria condições de continuar trabalhando.
“Eu estava muito nervosa, mas me acalmei e fiz todo aquele trabalho psicológico da gente com a gente mesma para poder seguir o trabalho. Demorei um pouquinho para voltar e até consegui, mas não voltei 100%. Voltei meia-boca para terminar a jornada da transmissão. Tive dificuldade de esquecer o que tinha acontecido.”
Na manhã desta quinta-feira (4), depois de Laura publicar seu relato no Twitter, o presidente do Inter, Marcelo Medeiros, disse que o clube “lamenta o ocorrido, repudia qualquer atitude agressiva e irá tomar as medidas cabíveis”. O mandatário afirmou que o clube conseguiu identificar o agressor pelas câmeras de segurança e que será encaminhada uma denúncia à ouvidoria para abertura de processo disciplinar, e o torcedor pode ser excluído do quadro de sócios do clube.
Segundo o clube informou Laura, as imagens mostraram que o torcedor atacou outras três mulheres depois de assediar a jornalista. Ela irá à delegacia hoje à tarde para fazer boletim de ocorrência.
Repórter de torcida da Guaíba desde o início de 2018, função que a faz estar em contato constante com a arquibancada, Laura diz que nunca tinha passado por uma situação de assédio tão grave. “Já tinha ouvido piadinha, já passei por situações de os caras ficarem me chamando ou tentando passar a mão, mas isso de tentar dar beijo nunca tinha acontecido. Eu tremia de raiva por essa situação estar acontecendo de novo depois de todo o trabalho que a gente tem feito.”
Em março do ano passado, um grupo de jornalistas esportivas brasileiras lançaram o manifesto Deixa Ela Trabalhar para denunciar e combater o assédio moral e sexual sofrido por elas nos estádios, nas ruas e nas redações. A campanha, que completou um ano no dia 25 de março, foi internacionalmente reconhecida por ajudar a jogar luz nesta questão. Mas, mesmo diante dos esforços, situações de assédio e abuso continuaram acontecendo.
No Twitter, Laura desabafou sobre o ocorrido. Um torcedor do Grêmio chegou a insinuar que ela estava evitando falar sobre o assunto para favorecer o Inter e prejudicar o rival, como se um assunto sério como sofrer assédio enquanto trabalha fosse questão de clubismo